O governo brasileiro quer recorrer a fundos de proteção florestal para pavimentar uma importante rodovia. Os doadores ocidentais dizem que isso vai contra as regras do fundo.
Os doadores ocidentais do Fundo Amazônia alertaram contra os planos do governo brasileiro de usá-lo para pavimentar uma estrada importante na floresta tropical.
Um porta-voz do governo alemão, o segundo maior doador do fundo, disse à Climate Home que o apoio a um projecto deste tipo “não é possível” de acordo com as regras do fundo, que foi criado especificamente para reduzir a destruição florestal na Amazónia.
Os Estados Unidos estão “confiantes” de que o fundo utilizará os seus recursos “de forma consistente com os seus regulamentos”, disse um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA à Climate Home.
Os ambientalistas temem que o projecto provoque uma explosão na destruição da floresta, ao facilitar o acesso dos madeireiros ilegais a áreas remotas da floresta tropical.
O investimento em projectos de infra-estruturas de grande escala não está listado entre as acções-alvo do decreto presidencial de 2008 que estabeleceu como o fundo deveria gastar o seu dinheiro.
Mas autoridades do governo Lula querem aproveitar os fundos verdes para a pavimentação da rodovia BR-319, de 900 quilômetros de extensão, que atravessa a floresta tropical e liga Manaus a Porto Velho.
A Câmara dos Deputados do Congresso brasileiro votou em dezembro passado a favor de um projeto de lei que permitiria a utilização de fundos de conservação para financiar obras públicas destinadas a “recuperar, pavimentar e aumentar a capacidade” da estrada. O projeto precisa da aprovação do Senado antes de se tornar lei.
O governo alemão disse que “está observando os desenvolvimentos de perto”. Um porta-voz acrescentou que, se o projeto de lei fosse aprovado de forma conclusiva, o governo alemão afirmaria aos gestores do Fundo Amazônia que seus recursos não podem ser usados para pavimentar a estrada.
‘Consequências tremendas’
Pesquisas mostram que todos os grandes projetos rodoviários na Amazônia desencadearam um aumento na grilagem de terras e no desmatamento ilegal.
Philip Fearnside, cientista do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia em Manaus, disse ao Climate Home que “as consequências seriam tremendas”.
Ele acrescentou que as árvores não seriam apenas derrubadas nas margens das estradas, mas o projeto criaria uma rede interligada de estradas principais, dando aos desmatadores acesso a uma área muito maior.
Construída na década de 1970 por um governo militar, a BR-319 foi abandonada uma década depois por falta de manutenção.
Desde que se desintegrou em uma estrada de terra, grande parte do percurso fica intransitável durante a estação das chuvas. Os veículos que tentam fazer isso durante os meses de seca rastejam ao longo do pavimento quebrado.
O governo brasileiro vem traçando planos para restaurar a rodovia com base no desenvolvimento econômico e social.
O ministro dos Transportes, Renan Filho, anunciou em agosto passado que planejava apresentar ao conselho diretivo do Fundo Amazônia um projeto para pavimentar a estrada.
Isto transformaria a estrada na “estrada mais sustentável” do mundo e permitiria um acesso mais fácil às patrulhas policiais para monitorizar e prevenir a desflorestação, argumentou o ministério.
Mas os ambientalistas argumentaram que este não é o tipo de projecto que o fundo pretende apoiar. Um dos idealizadores do fundo, o cientista florestal Tasso Azevedo disse que o projeto “não se enquadra em nenhuma das linhas de apoio previstas no fundo”.
FundoAmazônia revivido
Criado em 2008, o Fundo Amazônia tem mais de US$ 1,2 bilhão disponíveis para projetos de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento na Amazônia brasileira. Os maiores doadores do fundo são a Noruega, a Alemanha, os EUA, a Suíça e a empresa petrolífera estatal Petrobras.
Eles prometeram injetar mais US$ 800 milhões no fundo desde que o presidente Lula reativou o mecanismo em seu primeiro dia de mandato em 2023, após três anos de inatividade.
Os doadores ocidentais interromperam as transferências de dinheiro em 2019, no anterior governo de Jair Bolsonaro, depois de o ex-presidente ter suspendido unilateralmente o conselho de administração e a comissão técnica do fundo.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) administra o fundo e decide como alocar seus recursos.
Em setembro passado, disse à Climate Home que quaisquer solicitações são processadas “de acordo com a visão estratégica, as diretrizes e os focos” traçados no Biênio 2023-25, um novo conjunto de diretrizes criado pelo Comitê Orientador do Fundo Amazônia. Não respondeu a novos pedidos de comentários.
Doadores céticos em relação aos planos
Um porta-voz do Ministério de Cooperação e Desenvolvimento da Alemanha disse que o uso dos recursos do Fundo Amazônia “está claramente definido e restrito” pelo decreto presidencial que sustenta a criação do fundo. “Com base nessas normas e regulamentos, não é possível a utilização de recursos financeiros para pavimentação de estrada na floresta tropical”, acrescentaram.
Um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA disse que “estão confiantes” de que o BNDES usará os recursos do fundo “de forma consistente com suas regulamentações governamentais e com o compromisso público do Brasil de cessar todo o desmatamento na Amazônia Legal até 2030”.
Um porta-voz da embaixada da Noruega no Brasil disse que cabe ao governo brasileiro, através do BNDES, decidir sobre o uso específico dos recursos do Fundo Amazônia. “O Governo norueguês não tem voz na seleção dos projetos”, acrescentou.
O governo brasileiro controla o BNDES e nomeia seu presidente. “Não é uma instituição independente e o governo pressionou as suas decisões no passado”, diz Fearnside. “Depende apenas da prioridade do projeto para o governo. A indicação é que, com exceção do Ministério do Meio Ambiente, o restante do governo seja a favor dessa rodovia”.
Processo de rastreamento rápido
Enquanto isso, um grupo de parlamentares da região amazônica trouxe um novo projeto de lei ao Congresso com o objetivo de acelerar o projeto de construção. O texto, aprovado em procedimento especial de ‘urgência’, chama a rodovia de “infraestrutura crítica, indispensável à segurança nacional”.
O projeto autorizaria o uso de doações recebidas pelo Brasil para ajudar na conservação da Amazônia para as obras de reparação da BR-319.
“Queremos uma estrada que nos dê o direito de ir e voltar, de transportar mercadorias, de comprar alimentos. Essa é a única rodovia do Brasil que não é pavimentada, não podemos tratar o povo do Norte como cidadão de segunda classe”, disse Alberto Neto, autor do projeto, após sua aprovação na Câmara.